ex-factori di amor

Vinha com uma vontade incontrolável de fazer xixi, mal entrei no ônibus e sentei, lentamente, no primeiro assento. Não conseguia falar e no ônibus não tinha banheiro. Após uns momentos sofridos entrou um companheiro de viagem e sentou ao meu lado.

Eu não olhei. Se olhasse provavelmente lhe diria que precisava fazer xixi. Assim, quem sabe, aliviava. Preferi calar. Fiquei observando seus pés de soslaio, os chinelos eram maiores que seu número e os dedos estavam gastos, velhos e empoeirados, pareciam caricaturas.

Ainda assim não olhei pro dono deles. Seus pés seriam meus cúmplices na dor da bexiga. Passamos por um buffet (bofete?) de festas com suas luzes coloridas e minha atenção saiu do xixi estourado, dos pés, e se voltou ao casal que eu vi acabando o namoro, ironicamente, em frente ao restaurante Alma Gêmea.

Ela não chorava, nem ele. Mas via-se claramente que estavam em preto e branco. Sim, sim, no meio de tantas cores vivas da cidade eles pareciam ser (ou estar) em p&b. Entendi que ele não confiava nela e assim ela acabou por não confiar nele também. Incompatibilidade de gênios? Talvez... Triste quando um amor acaba... Se é que acaba, eu não sei.

Não sei nada de amor. Assim acredito, aliás, sei muito. Não entende? Eu também não. Mas compreendo de amizades e mais tarde me juntei com dois amigos, a bexiga vazia, a percepção alterada, fomos pr’um campo de futebol e caminhamos em fila indiana sobre o meio fio.

Braços abertos, os alunos de futebol não entendiam nada, e a gente ria e ria, gargalhava alto, os abdomens contraídos. Niilistas em apuros dentro de suas próprias mentes. Mas as gargalhadas eram mais fortes e o nível de fluoxetina subia.

Falávamos amenidades, falávamos do sol, da lua, do campo esverdeado, das luzes e prédios. Combinávamos de beber algumas cervejas, banho de piscina ou sal. E ríamos cada vez mais alto, os corpos curvados. Muito bom crise de riso sincera.

Uma vez em casa, cenas do dia me corriam as idéias como slides antigos. Fumei alguns cigarros em companhia de Lauryn, adoro quando ela canta ex-factor, parece que as dores doem menos e a vida é mais além. E é assim mesmo. Li mais um capítulo do livro, apaguei a luz e dormi em pb.

- S

"No matter how i think we grow you always seem to let me know it ain't workin', it ain't workin'... and when i try to walk away you hurt yourself to make me stay... this is crazy! this is crazy..."

nus nós

no agosto dos diabos,
no agouro do descaso,
desfaz-se nós numa barba de pedra.

nas passadas arrastadas,
nas rachaduras dos pés,
no silêncio que paira à vossa porta;

nos desfrutos do dissaber,
na revolta calada do olhar,
nos redores da convivência;

conveniência da fuga interna,
aconchego do calar.
é o fim do prenúncio d'uma busca.

apenas ao chão.
mãos ao alto!
nada m(p)ais podem fazer.

- S

Lisbela

era assim todo dia, ela fechava o portãozinho branco (eu via)
e subia nas ladeiras azuis cheias de pedrinhas,

catou uma pinha, contou-me um segredo - tudo por telepatia (eu sentia)
parou no mercadinho e conversou com o sabiá laranjeira da Dona Marta.

Depois me contou uns segredos do sabiá, querendo saber se,
será, que poderia voar um dia? (eu sabia)

chegando aqui ela se deitava na minha rede, pedia um cafuné
e comia bolinho quente com café, eu amava e amava (eu queria)

e ficavamos assim, juntos feito dois irmãos incestuosos (eu fingia)
a se balançar...

- S

perceber

você imagine sentar numa pedra
quente e frio juntos, pois é meio dia
em cima da serra

imagine também ver o mundo passar
numa tarde inteira de boas companhias
enquando você se transborda pelas águas
d'uma cachoeira

o céu, o chão, um só com você
chegar, sair, entrar, fechar e abrir
mil e uma possibilidades incontáveis
feche os olhos e verá.

é tudo uma questão de percepção.

- S

"selinho"

Eles trepavam e então depois ela punha aquele vestidinho esvoaçante,
ficava sem calçinha mesmo e dizia: "já é tarde meu bem"

Subia com leveza na bicicletinha amarela a fim de ir pra casa antes que noite fosse.
a calçinha guardada no bolso do peito esquerdo do vestido. Tinha sempre uma
flor no cabelo.

Dava um belo sorriso, os dentes pérola, para depois arrancar subindo a rua, dando
uma volta na esquina para soprar-me um beijo.

Nessas horas eu dava tudo pra ser o selim da bicicleta para, em meio ao sobe e desce
que eram suas pernas, no esforço calorento, suor e gozo,

Ser o intrumento principal da sinfonia que acontecia todo dia, por volta das cinco,
debaixo do vestido dela.

- S

beijo de adeus

vem comigo vem no trem, dizia o som para ela
enquanto isso um almirante de barba doce beijava-lhe o pesçoco,
fazendo arrepiar todos aqueles os pelinhos pelo corpo; braço esquerdo
a mão que ela escrevia, o corpo contorcia

e iam no trem passando por pastagens verdessuíço, cheia de vaquinhas
todas elas chocolate branco e preto, manchinhas. ela aguardava ver o mar,
passeando com o almirante pelas águas de seu corpo
pelas águas d'uma imensidão azul onde nada se desconhecia

e fugiriam pelos bosques do mar onde não lhes reconheceriam.
acordando ela soprou-lhe um beijo, desceu na estação rodoviária
e ele foi para o interior.

- S

na casa da velhota

cansada, dôr muscular. bosta
há dias ela dorme mal e não sabe mais falar.
há dias ela desencanta, não entende, e tenta controlar

comprou flores novas para a janela,
colocou veneno para ratos na varanda,
varreu mal e porcamente o chão, como se fosse meio cega

deitou na sua nova rede azul, a única peça reluzente no local,
comeu um bom-bom de alcaçuz enquanto folheava livros antigos cheirando a mofo,

sonhou que tomava banho de cachoeira e acordou de cabelos brancos.

- S

na mesinha do bar, S, K&Y

eu perplexo quando co(n)exo
nós (re)flexo, logo conecto
no sabor ex(r)ótico dos redores

***

era um mar de mangueiras
verdes de cair
do céu
azul
nuvem, vento em tela cheia
firmamento, ornamento, o ar floreia
no papel
na minha veia e, desnorte!
o ar candeia

***

sob chão de falsa pedra,
concreta maresia,
o mar anseia
(ver)(ti)gem
ti gen-te.

(nada como escrever em exercício com os amigos)

-S