ad libitum

"eu me sinto dançando... os movimentos me levam por entre ruas estreitas ou largas, ruas de ilusões e alegrias. São tantas euforias e lágrimas, que chego a pensar que eu sou só o sentir; e o viver. Pessoa disse que os livros não servem de nada. Discordo, porém concordo, afinal, "o sol se põe sem literatura". Se o mundo fosse perfeito não leríamos livros. Nem os escreveríamos. Eu tento e não consigo, eu vivo e acho que não sei viver. Mas deve ser que nada se sabe mesmo, o essencial é apenas o ir, o não-parar. Fora com a estática e que venham sempre sorrisos, para todos os homens de bem, e os de não-bem, que se transformem em flores. E se desprendam daqui".
tem um sobredesce de loucuras in traffic aqui. bem aqui
coração e respiração parceiros, mas o corpo parece não aguentar
a qualquer momento eu vou sucumbir e finalmente gritar:
"me leve, me leve"

acho que o corpo não aguenta mais nenhum dia. nem unzim

(a alma e a matéria se juntam)
o balão que tinha aqui dentro secou

insônia

na penumbra, não se sabe dia ou noite
criaturas escuras bocejam
parece-me que réstias solares apontam na quina do mundo
talvez seja claro daqui há uma hora

suspira-se o não saber,
deito no chão de dentro a esperar
quem sabe um pássaro pia, anunciando a manhã
o azul torna-se ralo

será dia daqui há uma hora

sobremim

"Eu sou as unhas vermelhas, chocolate, menções do amor.
Sou falta de paciência durante um período do mês.
Sou uma flor num imenso jardim, sou tantas e nenhuma apenas.
Sou o escritor, a meretriz, o calor e os versos da música.
Sou o tempo acontecendo. Sou complexidade, diversidade,
timidez, medo e coragem. Sou várias faces de uma só perspectiva.
Sou a atriz e o próprio diretor. Sou o álcool no fundo do copo.
Sou a dor e a alegria. Sou o que sou, o que acho que sou e também
o que esperam de mim. Eu sou a confiança na queda,
borboletas pintadas à mão, palavras em japonês.
Sou todas as coisas sob a perspectiva do mendigo, sou os cachos
loiros no cabelo do sobrinho, suas mãos e pés gordinhos;
sou as flores bordadas na saia, o olhar divertido do amigo,
a seda da camisola de uma virgem, gosto de bolachinhas torradas,
de compras novas, vozes amigas. Sou decepção e sombra,
cinzas de cigarro, acordes bregas, a toalha que enxuga o corpo frio.
Não se pode exigir, pouco dá pra esperar. Sou pó.
Não sou nada além do meu desejo em sê-lo."

27 de junho, 2005
você pode acreditar no que quiser,
no olhar,
no abraço,
na loucura,
no desando,
no destino,
no acaso,
me encontre no sorriso sereno d'um sonhador.

alegria

além do arco-íris,
debaixo da pele,
no B612 ou no vilarejo,
num caminho se sol.
naquele sorriso amado,
numa dança,
uma dança a dois
em cima da cama.
num suco de frutas,
numa borboleta borboletando
no quintal,
nas flores.
nossa amizade,
na capoeira,
num fino,
no amor.

saia rodada e sorriso e amor

o sonhador
das palavras faz mel;
o sonhador
de um olhar faz destino;
o sonhador
de uma palpitação faz amor.

apanha do chão os riscos coloridos,
fala, canta e rodopia.
cata réstias e tece o apanhador,
amanhã é sempre sonho.

tudo pela metade

Era cedo assim e eu descobria novelos de lã pelo meu caminho. Eles se acentuavam a medida que minha consciência clareava. E então violeta adentrou o recinto com seu jeito prático me dizendo saia daí, que eu vou ajeitar esse negócio. Mas eu não conseguia, eu tinha um segredo macabro e não podia contar a ela, simplismente não podia. Acho que ela ia embora no primeiro passo. Então eu me recolhia, macambuzo, com meus novelos de lã pontiagudos e esperava ela tentar.

Por fim ela desistia e dizia: amanhã eu volto. E eu esperava, todos os dias, enquanto bons-dias abriam-se para o sol e pássaros trinavam seus trinados supostamente belos, eu esperava violeta, sua leveza, seu vestido vaporoso, seu jeito dominador e ao mesmo tempo doce, eu esperava, era a única coisa que me fazia tremer as extremidades dum sorriso.

encontro no quarto-aquário

Acho que eu posso contar melhor agora que os meus sonhos me mostram linhas enquanto eu ressono tranquilamente dentro do meu quarto aquário. Bolhas sobem ao teto e o brilho das estrelas mais próximas entra pelas frestas da janela. Lá fora o ar morno dos trópicos sopra asas de libélula pelo ar, o tilintar suave me acorda e eu saio da água pela janela, molhando as folhas. É lua nova e ela me sorri. Percebo o aquário cada vez mais forte ao meu redor, entornando o céu apenas aos meus olhos.
Um braço forte em tons laranja me pega a mão e quando menos se espera minha casa é uma semente e minha casca tem vários tons. Entramos na toca, o rato e eu, para troca incessante de pequenas carícias e eu te amos. Mas lá era escuro e nos perdemos, eu só percebi a falta de luz quando caiu um salto e eu já não sabia mas em qual caminho seguir, o que me guiava eram seus arquejos suaves e o cheiro. Um cheiro familiar, cheiro de rato.
Tentei por vezes acender a luz, mas não encontrava o interruptor, quando de súbito abriram a porta e já era dia. Era dia e eu não tinha saias, o sapato sem salto joguei fora, era mesmo sem coração, ele tinha-me sido tão bom nos momentos difíceis. O rato sumira com a luz, mas eu nem dei conta, pois vieram folhas flutuantes como os tapetes mágicos de histórias do passado e eu, pequenina, voei agarrada a uma delas. Cheguei perto do sol, era salgado e não era tão quente assim como dizem. Junto a mim, vaga-lumes sorriam dizendo “ieeee”, era o efeito-sol, que assim, visto de perto, dá uma alegria. E lá eles armazenavam um pouco do brilho salgado para trazer à Terra. Como num sonho, voltei ao tamanho normal e caí do céu em montes fofos de pequenas flores amarelas. Fiquei ali recebendo os raios do sol, uma modorra às sete da manhã, pus uma música, voltei pra cama de flores e desadormeci.

engrenagens mágicas dum sonho rouco

Posso dizer em mil palavras ou nenhuma o quanto tantas cousas loucas me corroem os pensamentos. Como num sonho surreal, onde você pega um bonde que tem grades e o buraco de entrada não te cabe, e, de repente, você está no seu quarto em tem simplesmente quatro camas dentro dele, não se sabe como todas couberam lá, quem faria isso? E como arranjou tanto espaço para fazê-lo? E tem também uns marmanjos com ares de marinheiro, aqueles tatuados e tudo o mais, todos alojados no seu banheiro cor-de-rosa, o engraçado são suas expressões infantis, quase que abobalhadas. Você fecha a porta pra trocar de roupa e ir ao trabalho. No caminho tem um homenzinho saindo do chão como se fosse uma planta, belas folhas compridas saem das suas axilas e o sorriso é cheio de florzinhas brancas, aquelas comuns em enterros ou campos. Sua cabeça dividida ao meio mostra engrenagens de máquinas e pássaros voam de mãos dadas à vagalumes; eu estou rouca e queria por tudo dançar com aquele galã lindo do ar, mas ele é manco e, envergonhado, disse não. De súbito, uma praia fria de águas doces e você ou eu desapercebíamos malícias das mariposas e contavámos as estrelas que caíam, elas sempre caem sabe, mas as luzes da cidade escondem este fenômeno, não sei por que. Talvez para nos impedir de fazer desejos. Mais tarde, caminhando, (onde você foi?) eu entrei num deserto e encontrei um menino que, chorando, me disse adeus. Eu não entendi nada, mas chorei também. Depois percebi que era meu melhor amigo e que ele havia partido sem volta. Enquanto isso flores cresciam no lugar dos meus cabelos e eu tinha orelhas de porta. Senti batidas leves e era uma música lá de Porto Alegre, os timbres psicodélicos, cantando 1401 já não existe mais. Senta aí, por favor, e conta esse dinheiro laranja pra mim, que eu não sei contar e preciso comprar peras. Cadê você?
fodam-se

carta ao velho amigo

Eu nunca pensei que me decepcionaria logo com você e, enquanto você tinha raiva das minhas colocações, eu tinha razão.
Nem sei por que escrevo isso, melhor nem mandar, ou você vai me ligar perguntando " o que é isso?" como se eu tivesse simplismente pirado ou algo assim. Vai aparecer amanhã talvez e tentar mostrar uma mera inverdade, para, logo depois, sumir quando mais preciso. Não percamos tempo.
Eu sei exatamente do que estou falando e precisava desabafar. Ainda bem que existe um blog quase que 100% anônimo onde eu posso simplismente te dizer adeus sem fazê-lo.
Não esperava isso de você. A gente vai vivendo e descobrindo as coisas loucas da vida e, nos dedos, os amigos vão reduzindo.
Não importa, não faço caso e assim o tempo passa e novidades vem e vão. Esse texto é uma constatação da nossa não-amizade, como se o template fosse um túmulo e as palavras, flores de adeus.

em casa II

me estendo ao chão empoeirado, é belo à luz da lua.
distingo manchas pelos redores, folhas e pó.
não há música para lamber meus ouvidos...
me abraço ao nada, de um lado teto, do outro o vão.

em casa

o pano do soalho, o suspiro na manhã morna de abril.
o hálito de descrença, o véu da dúvida sobre o que seria uma tarde sem fim.

enxugo o corpo frio, deixo a pele bebendo'sol.
do nu, escorre mel no peito. as mãos incertas, os pés no chão, é quente ou gélido?

saberes reais dançantes e disformes, não posso tocá-los.
penso, penso, o baixar afaga os olhos, vejo dedos.

não é morte ou vida. é passagem. são lugares diferentes, estações desconhecidas.
vejo dedos e sombra. vejo sombra e luz.

é aurora.
eu não sei por que te escrevo. acho que estou melancólica.
ontem vi um filme interessante e depois refleti passeando pelas folhas secas do quintal.
não quero meias verdades ou meias companhias.
quero vida viva cheia, cheiro de flor de laranja.
tá tudo muito doido ou é tudo muito doido?
acho que a condição de estar não existe... tudo é.

coração glacê

Engraçado, depois de tantas choramingas lá estava eu de novo ao lado daquele rapaz franzino. Ele falava suas mil palavras como sempre, numa tentativa inócua de me reconquistar e, desta vez, eu fazia cara de sorrisos, porém mantinha a linha descrente, quem sabe assim dava pra conseguir algo legal dele, todo aquele meu descrédito fazia com que ele se instigasse.

Ele se intrigava com meus olhares tragicômicos à as suas colocações. Tinha partido o meu peito, o filho-da-puta, ou fui eu mesma que parti, de qualquer jeito, lá estava eu ao lado dele, fazer o que? Ele ainda tinha uma fatia do meu coração e eu queria dar um jeito mirabolante de recuperá-la antes de partir desta para quem-sabe-talvez uma bem melhor.

Não sabia de que maneira eu conseguiria, mas agora eu já estava preparada praquele terreno pedregoso. Ou assim achava. Meu órgão vital armado com mil veias finas em forma de facas chinesas, pronto pra sugar-lhe a parte que nos faltava;

Diriam que eu era uma víbora sem sentimento nem compaixão quando o encontrassem recostado na sarjeta, bêbado e maltrapilho, mas a escolha era dele. Quem mandou roubar meu coração assim de assalto, tão rápido? Eu nem senti, só percebi quando ele me trocou por outra e eu fiquei apenas com as lembranças manchadas pela realidade cruel, cheirava a queijo velho, mofado, um horror!

Rastejei na lama, mas tomei banho e fiz uma massagem no cabelo. Já estava zero bala quando de repente, assim tão rápido como o furto da fatia coraçonina, ele já estava de volta à minha porta, pedindo arrêgo, perdão, socorro, colo e carinho. Eu olhava pra ele, franzino, franzino, parecia à beira da morte, faltava-lhe um sopro apenas.

Talvez por que ele ainda guardasse aquela fatia do meu coração, eu me condoí e o recebi em casa, dei comida, passei-lhe a mão na cabeça como quem diz: tudo bem, vai passar. Fiquei em cima do meu próprio pedestal, apenas observando, descrente àquela criatura bela e confusa, infeliz?

Fizemos amor e eu sentia nele um cheiro de redenção enquanto a gente se misturava em suor. Ele era sempre ávido, sorvendo minha sede até que eu visse estrelas, e vi. Depois sem dó nem piedade virei, disse boa noite, dei um beijo e tchau. E ele levou outra fatia do meu coração de dentro do meu peito glacê, mole, mole, mas continua desacreditado, sem perdão.
um cafézinho para matar o sono. ZzzZzzZzZZZZzzzzZZzzzz

mais um.
meu olhos gaze para dentro da tela como quem foge para o Olimpo contemplar os deuses ou dormir nas nuvens.

É, dormir nas nuvens é a opção mais tentadora.

outro cafézinho e volto a digitar.

téctéctéctéc....................
eu sinto falta de poemas, das batatas fritas da vó biiza e também das suas corujinhas em miniatura. sinto falta do cheiro de talco. da adulação perene, dos sorrisos, de ficar o tempo todo sem preocupação nenhuma pq tem uma avó ali e só se precisa existir ao lado dela, mais nada. nada...

trip

bom dia, eu me inscrevi no curso do fulano de tal e parece que mudaram o horário. hum, sim, é, um amigo me informou.. ai é? ah, ok, muito obrigada (Desmarcar, todos, executar) fazia as tarefas diárias com tal precisão, mecânica, e me lembrava da saia amarrotada, a blusa rasgada daquelas velhinhas encardidas, uma sapa-boi sentada no sofá.
um barrigão imenso de quem está grávida ou comeu demais no jantar. eu estava inchada. os seios pesavam... será que tem alguma possibilidade deu estar grávida? pirei, quase não dormi, pensando e repensando todos os meus futuros gastos caso me tornasse mãe solteira. Adeus festinhas regadas a drogas e álcool. hora de pensar em reconhecer uma possível futura amiga chamada responsabilidade, helloo-o-o. O pai eu nem sabia quem era, um sujeito que eu dormi um dia desses talvez, só podia ser ele, a camisinha deve ter furado. não sei mais o nome, avalie o telefone, me senti a Janine do zine do Vitor. só que ela toma um ac e aborta, eu não tenho condições de abortar, condições psicológicas, digo. e o pior é que eu comia, comia e continuava gulosa. ai minha santa briguilina, será? tem um ser a mais aqui pedindo um chocolatinho? sofrimento, li um livro sobre uma mãe solteira abandonada pelo marido no dia que o bebê deles nasce. ri de mim mesma, alto. acordei menstruada.

(graças)

passaram o bizu!

foi essa idéia que veio na cabeça e me deu mil gargalhadas silenciosas na aula do professor mais miraculoso da faculdade. seis horas, ele falava sobre filosofia, uma delícia observar sua fluência em qualquer subject, que homem! de repente meu celular treme dentro da bolsa, coçando a perna.
quem será? será o meu melhor amigo dando notícias de vida ou morte? Faz uma semana que não o vejo... não, não. comecei a ler a mensagem e pensei: é a Renata? Não era. era um "flângido espetacuglósum". acabei de inventar, pq não tem outro nome. os homens são mesmo uma graça.
acaba aqui um namorico e de repente aquele amigo do seu ex aparece todo ombros pra cima de vc. lindo lindo. ele falando sobre várias coisas que te encantam e ....vc suspeita, suspeitei mesmo, mas pensei: podemos manter uma amizade, né? que bom. santa ignorância, sua ingenuidade é merecedora de prêmio! Oscar anti-maliciósum.
linda mesmo era a mensagem, uma piada que vai me fazer rir por muito tempo ainda, e eu, um ser poderoso(!), hahaha, continuarei firme. inda bem que era aula do todo poderoso, ri mais um pouquinho, joguei a lembrança do ex nos confins da mente - louco - e continuei pregada em cada palavra do professor.

o vizinho

ontem eu deitada na redinha azul ouvindo o cd cantar melodias, o short rasgado, cantarolava sozinha. fiz uns exercícios de yóga (não sei pq eu não consigo chamar de yôga, só yóga e fim). batidinhas suaves à porta, era o novo vizinho, lindo, olhos verdes (eu tenho um negócio com olhos verdes). ele toca piano, sax e tá aprendendo bateria. tem um jeito debochado e masca o chiclets com a boca aberta. mas é lindo tão lindo, branco que nunca viu o sol e os cabelos compriiiiidos e lisos dum castanho-escuro-dourado.
onde ele estava esse tempo todo eu não sei. tem uma genética impecável, os braços torneados. recita Allen Ginsberg como se fosse o próprio, o inglês impecável. estuda espanhol e quer conhecer o Peru. pena que é novo demais, tenho problemas com homens novos demais. e ele insiste e insiste e eu só negando a todo custo dar a flor pra ele, ou a semente, ou um beijo que seja. pode vir aqui, pode tocar, recitar, conversar, beber e fumar, eu não conto pra tua mãe, eu disse. ele riu, sempre ri das minhas besteiras infantis. mas aqui não tem nada além pra você, eu continuo dizendo e ele, continua rindo. sento na rede, o short rasgado, e o contemplo no sax, lindo lindo. aiai se ainda tivesse 17 anos...
tudo que eu queria agora era estar sentada, uma massagem nos pés feita por um médico indiano, completamente desconhecido, que não fale português, nem inglês, para que eu não precise manter uma conversa amena. um pão de queijo, uma coca-cola beeem gelada e um livro. mais nada, nada!

pé de imaginação

juro que tive um presságio. e a boneca-nanquim me contou um segredo: ia mesmo acontecer.

fiquei calada, aparvalhada, onde eu iria me esconder?

ele chegou, três da tarde com olhos azuis lindos. meu amigo.

bebemos, fumamos, contei para ele todas as recentes tragédias envolvendo o meu nome;

ele apenas nodded com aquela cara de quem diz: você já sabia né?

ele contou como tinha sido sua viagem àqueles frios, gélidos portais para o amor.

mil planos todos floridos esperançosos...

depois de bêbados adormecemos num profundo sono mortífero, sonhando jasmins;

ao amanhecer ele foi pra casa e eu fui para o jazz.

juras virtuais

o homem pássaro acusa passagem pelas trevas, e eu, a moçinha do solvente, fico perturbando seu sono infindo via msn, já que hoje em dia as pessoas não se encontram e não se falam que não seja através da ajuda da senhora internet, uma velha chata que pode cair a qualquer momento e acabar com nossas risadas e lamúrias. ah, no passado tavez fosse uma conversa de pé de muro num quintal qualquer do que fora um dia o ensolarado interior e não um espaço frio e úmido em frente a uma telinha-janelinha:

"garota diz:
thanks babe

pássaro diz:
de nada garota

garota diz:
to me sentindo super-heroína

pássaro diz:
mas vc é, não esqueça dos pobres , oprimidos e reprimidos pinceis e afins ressequidos

garota diz:
ó céus não tem jeito, vou salvá-los todos

pássaro diz:
sim, todos, salve todos ó grande heroína, eles anseiam por seu socorro....nunca esqueça o quão sua ajuda lhes é necessária

garota diz:
é sim, senão, como continuarão pintando??

garota diz:
estou verde

pássaro diz:
como?? a pergunta que não quer calar...verde a cor mais verde que existe...

pássaro diz:
verde verdura?

garota diz:
huahauhauuahauhauhau

garota diz:
verde verdura

verde musgo

verde cor de cocô de neném com barriga cheia

verde morto

verde

pássaro diz:
verde bacana?

pássaro diz:
ou verde com cheiro de grama?

garota diz:
com cheiro de grama"

E eles decidiram que salvariam o mundo, os pincéis e os cinestas franceses (também a letícia sabatela, os cavalos, e os cartunistas do meu brasil)

(não entendi nada)

na toca da mariposa parte I

ai eu espero e espero, com(o) uma amante-viúva-pós-moderna espera o marinheiro que caiu no mar. ela vestida de preto, meias furadas mostrando a pele enrugada meio grudenta de maresia. eu espero e a viúva me consola com seu lenço bordado, velho e mal-cheiroso.
ela me cochicha que esperar amarga a alma, ela, que perdeu dois filhos, um cachorro chinês e uma velha chaleira de platina dada pela avó do ex marido, marinheiro, amante, morto.
na barra da sua saia tem uma renda gasta e ela cheira a cigarros mofados, tudo meio molhado pelo bafo do mar. minhas faces rosadas não sabem pr'onde voltar-se e a viúva estica um pano na areia da praia cheia de pequenos carangueijinhos, daqueles não-comestíveis "vem sentar aqui", me chama, e me conta uma história louca envolvendo piratas, papagaios e o marido que "está no mar e volta já".
logo em frente uma carcaça dum barco tem flores secas na janelinha. ela mora naquele esqueleto, esperando. repara-se que, cuidadosamente, cobriu o barco com retalhos coloridos, penso eu que para colorir a vida de incontáveis segundos de esperanças que ela leva ali.
eu falei pra ela, com a minha voz rouca-ressaca-braba que só precisava dum barquinho pra ancorar n'outro lugar, mas ela disse que não. que eu ficasse ali, "por favor" mais um tempinho que ela havia comprado bolachas (bolorentas) e me serviria uma café. fazia frio de mar e eu aceitei entrar na casa dela pra me esquentar.

De Juberlano para os meus sonhos – uma fresta de luz sobre Chico da Silva

Conheci Chico da Silva quando ainda era menina e não sabia o valor de uma pintura, muito menos quem fora Chico. Mas cultivei o hábito de passear por seus milhares de traços coloridos que adivinhavam-se criaturas mágicas. Eu tive esse privilégio dentro da casa de meu avô que, por acaso, tinha um Chico na parede da sala. Mas isso foi nas férias e eu ainda morava em Brasília.

Adolesci em Fortaleza. Uma vez morando aqui, vim para a casa de vovô. Eu já sabia então o que a pintura podia fazer com as minhas idéias e redescobri o Chico na parede. Por aí eu já desenhava, corria nanquim pelo papel e sonhava grande. Entendi o porquê de tantos pássaros nos meus devaneios.

Numa tarde qualquer enquanto eu observava mais uma vez detalhes coloridos de Chico, meu avô Wilson, 85 anos e cabecinha branca, veio ao meu lado e disse: “Esse é antigo. Estávamos na nossa loja de sapatos, eu e o meu sócio, também Wilson e o Chico chegou com aquele jeito afável, duas cartolinas em punho pedindo dinheiro pra comprar umas tintas. Disse que nos daria dois desenhos. Eu achei que ele queria tomar cachaça, sei que ele gostava. Dei o dinheiro e esqueci”.

Mas, um mês depois Chico reapareceu trazendo as obras e disse: “Esse é do Wilson preto e esse, do Wilson branco (vovô)”. E, puxando meu avô de lado acrescentou: “O seu é o mais bonito, o nome é ‘O gavião rei, o gavião real e o inseto da agricultura’”. Vovô guardou a cartolina enrolada num armário durante uns dez anos ou mais, o que fez com que a obra perdesse sua cor original. Mas não perdeu seu encanto. Não poderia, é um Chico puro, diretamente de Juberlano, seu mundo fantástico.

Vovô falava devagar, lutando contra seus esquecimentos e tentando lembrar os detalhes de sua amizade com o pintor, mas não recorda como o conheceu. Segundo ele, Chico ia e vinha, sempre de bom humor, os dentes dourados. Aparecia para beber uma pinga, para contar uma história e ser gentil. Foi assim que ele chegou nas paredes da minha vida, devassando limites da minha sensibilidade, me fazendo sonhar e criar.

Chico da Silva, o pintor da praia, veio para o sertão de Quixadá ainda menino deixando para trás a fantasiosa Amazônia onde nasceu. Seu pai era peruano, descendente dos Incas e a mãe cearense, soldada da borracha. É preciso dizer que o que se sabe sobre este ser encantado é de grande incerteza. Ele viveu uma vida à parte e criou seu mundo.

Chico cresceu em Guaramiranga e a seca de 32 o trouxe para Fortaleza. Na dureza da cidade ele buscava meios de vida. Fez de tudo, foi sapateiro, verdureiro e um pouco barbeiro. Mas Chico trazia dentro de si uma mágica que brotava em seres inimagináveis nos muros de humildes casas da praia Formosa. Pelos moradores era tido como um louco que “ia e vinha como o mar”.

Foi o artista suíço Jean Pierre Chabloz quem primeiro visualizou o potencial daquele desconhecido. Na verdade ele foi tomado pela pureza daqueles traços num caminho sem volta. Ele então leva a arte de Chico para exposições em Fortaleza e Rio. E, anos depois, para o circuito internacional.

Uma vez valorizado mundialmente pela sua rica arte primitiva, que lembra “civilizações passadas”, Chico passou a ser sucesso também na alta-sociedade fortalezense. Tentaram levá-lo para trabalhar na universidade, mas ele não se adaptou. Aparecia no trabalho descalço, bebia, pintava, sumia. Mesmo assim, os olhos da cidade recaíam em ter Chicos nas suas paredes.

A procura era grande e o pintor, maravilhado com a sua importância, formou em casa um pequeno ateliê de pintura coletiva, trabalhos realizados por ele junto a grupos de crianças curiosas, sensíveis à arte. No início ninguém podia dizer a diferença entre os quadros feitos por Chico e os grupais. O trabalho realizado na “Escola do Pirambu” nasceu da base cultural indígena do pintor. Sua arte era singular, porém era também de caráter coletivo, por resgatar códigos culturais inconscientes. A estrutura do fenômeno era tribal.

Chico se envolvia com a bebida e viajava para Juberlano. Um ser alheio à realidade social-capitalista em que vivia, ele se misturou a valores desconhecidos, completamente díspares dos seus. Tentou propagar o seu real fantástico e foi discriminado. A arte coletiva se espalhou na cidade pelas mãos de marchands em busca do “ouro”. Falsificações transitavam facilmente por Fortaleza e os Chicos passaram a ser apenas peças baratas de decoração.

Diz-se que Chico só estimava o prestígio e a cachaça. Diz-se também que era ingênuo e que foi enganado. Mas não, ele apenas tinha da vida uma compreensão que poucos têm – o homem muitas vezes discrimina o que desconhece. E o mundo de Chico, sabemos, era o desconhecido.

-S

(infelizmente eu ainda não aprendi como colocar imagens nesta coisa e não posso postar o desenho do texto =/)

flores e patterns não combinam

eu já estava dando denovo com a cabeça na parede quando me apercebi que não conseguia sair dos patterns! malditos patterns! Era bem a milésima vez que eu entrava num ônibus ou fazia uma ligação prum coração vadio que não me guardava dentro dele.

me lembrei de que, quando ainda infanta, me apaixonei pela primeira vez e acreditei que a coisa podia correr numa via de mão única. sofri dias e dias até cair a ficha e eu resolvi fazer coisas mais interessantes que esperar na esquina pra ver o dito passar.

passaram-se longos anos e lá estava eu, velha, descascada e madura voltando aos mesmos patterns. fica difícil reconhecer que não me cabe àquele coração quando ao invéz de simplismente me ignorar como o dito passado, o dito de ontem jura que me ama loucamente.

mas de amor eu lhe digo, não é feito isso não senhor. a culpa não é dele, a culpa é minha e dos meus malditos patterns que já fiz o favor de jogar pela privada junto com alguns papéis velhos e fotos antigas.

ficou fedendo um tempão no banheirinho do quintal. quando acordei hoje de manhã ainda estava fedendo. Preciso chamar um encanador, bombeiro, macumbeiro que seja. quero aquela fedentina toda bem longe das minhas flores novas.

l'amour II

meu bem,

me escreva cartas lindas...
escreva tudo que lhe vier a mente.
escreva ou escreva,

teclinhas leves para seus dedos macios.
batidas insólitas dos teus pensamentos;
não se contente e escreva mais...

não pare (!)




é tempo de inverno, preciso me isolar.

eu te amo, vou amar sempre. lembre-se disso.

te beijo, ciao

- S

seja diferente

mutações constantes, só não mutam os clichês
são apenas palavras descrevendo sensações que vivemos
é tudo sempre igual. Para ser querido, reinvente os clichês
se mostre novo-em-folha, autêntico e criativo.

não bastam traços, tem que ser na cabeça, coração e pé,
atitudes. Novo, autêntico e criativo. Para ser querido, sê assim.
Mas não adianta, somos todos iguais. A escrita e a palavra,
por vezes repetidas, são apenas manifestações da alma

para mim, me bastam relações intensas, construtivas e palpáveis
me bastam variadas porções de realidades diversas, quero provar....................
me bastam ciclos de sol e noite
e música pra balançar

- S

ex-factori di amor

Vinha com uma vontade incontrolável de fazer xixi, mal entrei no ônibus e sentei, lentamente, no primeiro assento. Não conseguia falar e no ônibus não tinha banheiro. Após uns momentos sofridos entrou um companheiro de viagem e sentou ao meu lado.

Eu não olhei. Se olhasse provavelmente lhe diria que precisava fazer xixi. Assim, quem sabe, aliviava. Preferi calar. Fiquei observando seus pés de soslaio, os chinelos eram maiores que seu número e os dedos estavam gastos, velhos e empoeirados, pareciam caricaturas.

Ainda assim não olhei pro dono deles. Seus pés seriam meus cúmplices na dor da bexiga. Passamos por um buffet (bofete?) de festas com suas luzes coloridas e minha atenção saiu do xixi estourado, dos pés, e se voltou ao casal que eu vi acabando o namoro, ironicamente, em frente ao restaurante Alma Gêmea.

Ela não chorava, nem ele. Mas via-se claramente que estavam em preto e branco. Sim, sim, no meio de tantas cores vivas da cidade eles pareciam ser (ou estar) em p&b. Entendi que ele não confiava nela e assim ela acabou por não confiar nele também. Incompatibilidade de gênios? Talvez... Triste quando um amor acaba... Se é que acaba, eu não sei.

Não sei nada de amor. Assim acredito, aliás, sei muito. Não entende? Eu também não. Mas compreendo de amizades e mais tarde me juntei com dois amigos, a bexiga vazia, a percepção alterada, fomos pr’um campo de futebol e caminhamos em fila indiana sobre o meio fio.

Braços abertos, os alunos de futebol não entendiam nada, e a gente ria e ria, gargalhava alto, os abdomens contraídos. Niilistas em apuros dentro de suas próprias mentes. Mas as gargalhadas eram mais fortes e o nível de fluoxetina subia.

Falávamos amenidades, falávamos do sol, da lua, do campo esverdeado, das luzes e prédios. Combinávamos de beber algumas cervejas, banho de piscina ou sal. E ríamos cada vez mais alto, os corpos curvados. Muito bom crise de riso sincera.

Uma vez em casa, cenas do dia me corriam as idéias como slides antigos. Fumei alguns cigarros em companhia de Lauryn, adoro quando ela canta ex-factor, parece que as dores doem menos e a vida é mais além. E é assim mesmo. Li mais um capítulo do livro, apaguei a luz e dormi em pb.

- S

"No matter how i think we grow you always seem to let me know it ain't workin', it ain't workin'... and when i try to walk away you hurt yourself to make me stay... this is crazy! this is crazy..."

nus nós

no agosto dos diabos,
no agouro do descaso,
desfaz-se nós numa barba de pedra.

nas passadas arrastadas,
nas rachaduras dos pés,
no silêncio que paira à vossa porta;

nos desfrutos do dissaber,
na revolta calada do olhar,
nos redores da convivência;

conveniência da fuga interna,
aconchego do calar.
é o fim do prenúncio d'uma busca.

apenas ao chão.
mãos ao alto!
nada m(p)ais podem fazer.

- S

Lisbela

era assim todo dia, ela fechava o portãozinho branco (eu via)
e subia nas ladeiras azuis cheias de pedrinhas,

catou uma pinha, contou-me um segredo - tudo por telepatia (eu sentia)
parou no mercadinho e conversou com o sabiá laranjeira da Dona Marta.

Depois me contou uns segredos do sabiá, querendo saber se,
será, que poderia voar um dia? (eu sabia)

chegando aqui ela se deitava na minha rede, pedia um cafuné
e comia bolinho quente com café, eu amava e amava (eu queria)

e ficavamos assim, juntos feito dois irmãos incestuosos (eu fingia)
a se balançar...

- S

perceber

você imagine sentar numa pedra
quente e frio juntos, pois é meio dia
em cima da serra

imagine também ver o mundo passar
numa tarde inteira de boas companhias
enquando você se transborda pelas águas
d'uma cachoeira

o céu, o chão, um só com você
chegar, sair, entrar, fechar e abrir
mil e uma possibilidades incontáveis
feche os olhos e verá.

é tudo uma questão de percepção.

- S

"selinho"

Eles trepavam e então depois ela punha aquele vestidinho esvoaçante,
ficava sem calçinha mesmo e dizia: "já é tarde meu bem"

Subia com leveza na bicicletinha amarela a fim de ir pra casa antes que noite fosse.
a calçinha guardada no bolso do peito esquerdo do vestido. Tinha sempre uma
flor no cabelo.

Dava um belo sorriso, os dentes pérola, para depois arrancar subindo a rua, dando
uma volta na esquina para soprar-me um beijo.

Nessas horas eu dava tudo pra ser o selim da bicicleta para, em meio ao sobe e desce
que eram suas pernas, no esforço calorento, suor e gozo,

Ser o intrumento principal da sinfonia que acontecia todo dia, por volta das cinco,
debaixo do vestido dela.

- S

beijo de adeus

vem comigo vem no trem, dizia o som para ela
enquanto isso um almirante de barba doce beijava-lhe o pesçoco,
fazendo arrepiar todos aqueles os pelinhos pelo corpo; braço esquerdo
a mão que ela escrevia, o corpo contorcia

e iam no trem passando por pastagens verdessuíço, cheia de vaquinhas
todas elas chocolate branco e preto, manchinhas. ela aguardava ver o mar,
passeando com o almirante pelas águas de seu corpo
pelas águas d'uma imensidão azul onde nada se desconhecia

e fugiriam pelos bosques do mar onde não lhes reconheceriam.
acordando ela soprou-lhe um beijo, desceu na estação rodoviária
e ele foi para o interior.

- S

na casa da velhota

cansada, dôr muscular. bosta
há dias ela dorme mal e não sabe mais falar.
há dias ela desencanta, não entende, e tenta controlar

comprou flores novas para a janela,
colocou veneno para ratos na varanda,
varreu mal e porcamente o chão, como se fosse meio cega

deitou na sua nova rede azul, a única peça reluzente no local,
comeu um bom-bom de alcaçuz enquanto folheava livros antigos cheirando a mofo,

sonhou que tomava banho de cachoeira e acordou de cabelos brancos.

- S

na mesinha do bar, S, K&Y

eu perplexo quando co(n)exo
nós (re)flexo, logo conecto
no sabor ex(r)ótico dos redores

***

era um mar de mangueiras
verdes de cair
do céu
azul
nuvem, vento em tela cheia
firmamento, ornamento, o ar floreia
no papel
na minha veia e, desnorte!
o ar candeia

***

sob chão de falsa pedra,
concreta maresia,
o mar anseia
(ver)(ti)gem
ti gen-te.

(nada como escrever em exercício com os amigos)

-S

l'amour

"Inviolável, mútuo, o amor pode ser, por vezes, inabalável; sólido como o concreto sob nossos pés, nesta cidade de pedras e maresia, como a atitude de quem enxerga, a passos rápidos, o seu lugar. Pelas trilhas tortuosas um esgar, fresta por muito iluminada e iluminante sempre guia nossas escolhas e assim caminhamos lá e cá, hora numa escuridão hora num clarão de meio-dia, podendo a esmo seguir na fé individual absoluta nessa labuta diária, parando apenas para sorver uma taça de lucidez, quando for conveniente, ou quando se faz necessário. Vez por outra um tropeço, susto, queda, mas a solidez do sentimento é linear, alva e concreta, parte inegável do nosso ser".

- S

Diálogo Mental da Menina Sem Cor

Senta. Engole. Cospe. Quem esfacela minhas tranças? Não importa. Ele tem a cor da sarjeta e seus olhos são sangue do vício.

É apenas mais uma tentativa de abraçar uma realidade crua, tão minha quanto sua – pura superfície de idéias modernistas despojadas de mim. Então por que faço?

Ah, bem sabes... sacanagens necessárias antes de aposentar as sapatilhas desbotadas e as bolachas de pacote.

Não, não me assusta a indiferença, mas sim a falta dela que acusa estagnação. Odeio isso. O movimento, ah sim, esse sim. Dos carros, dos transeuntes, da vagina, da caneta, do farfalhar das páginas.

Não tente descobrir quem sou. Sou filha do tempo, dos versos e do gozo. Até quando? Até minha primeira rima balzaquiana ou, quem sabe, até o próximo zíper.


- H
Nada me detém
Como as cordas dos teus pensamentos
Ao meu redor – dó

Nada me (amor)tece
Como a íris do adeus
Antes dos pactos silentes do apego

Nada me exalta
Como o cheiro platônico
Do ter e não ter
Entre as paredes do desejo

Nada me tem
Pois sou asas e cores
- disformes –
Como o meu querer


- H

dejavú 1401, era noite e fazia sol nos olhos dele...

querido,

por que será que foi assim? tinha que ser assim?
que saudade dos laços que eram nossas pernas e
braços ao lado de Morfeu. Eu sempre acordava
incomodada pelo sol, pela falta d'um ventilador e
pelo espaço por ti tomado.
abria os olhos e, como por em palavras o que
acontecia no meu coração no exato instante do
acordar contigo?
Eu com Tu, é nome de doce? tarde de sábado,
fotos da lua cheia, cheia de mel. horas e horas
de olhar nos olhos. a gente conversava sobre
toda e qualquer coisa dessa vida e, ainda assim,
nossa linguagem mais poderosa era a do sentir.
olhar pelas vistas, ver nossas almas, olhar e saber.
eu sabia então, saber que hoje me escapa. quanta
saudade do seu dançar a noite, na cama, ou numa
roda de samba. Eu não sei viver sem amar
Te.

- S

O primeiro cigarro do dia

Ela abriu os olhos, uma fresta de luz entrava no quarto, ele está morto, pensou. Pensava nele todas as manhãs ao acordar, mas afastava as más lembranças rápido, antes que pudesse doer. Dormia de rede, aconchegada em meio a lençóis brancos, criara o hábito de dormir se balançando, também espalhara vários livros e roupas em cima da cama, ia se mudar em breve, finalmente, depois de alguns meses de retorno à casa da mãe. A mãe bateu suavemente na porta, lembrando-lhe do horário. Com seu carro na oficina, ela aproveitaria a carona para o trabalho.

Havia caixas e mais caixas pelo chão, cheiro de guardado, tudo muito desorganizado, ela estava ficando louca. Louca, era o nome correto, ela tinha mil post-it pregados ao redor do espelho e também no cérebro. Mil coisas para lembrar e sua agenda estava no meio do amontoado de cacarecos do quarto, nada anotado, precisava ir ao banco cancelar uma conta, precisava pagar contas, tal como o quarto e toda a reviravolta com a mudança, grandes mudanças inesperadas que ela não sabia se seriam ou não positivas, sua mente estava um bagaço, daqueles laranjas, mascado.

Levantou, se asseou, vestiu uma camiseta branca de botões madre-pérola, limpa e cheirosa, imaculada. Calçou sapatos elegantes e tomou café. Tinha um pãozinho com manteiga em cima da mesa, e, por muita insistência da mãe, só um pãozinho dizia ela, comeu. Coitadas das mães sempre se preocupam além e além. Às vezes suas vozes nos vem subindo pelos poros. E foi isso que aconteceu a ela, já em meio a tanta turbulência, a mãe conseguiu enumerar todas as suas preocupações e obrigações (as que ela conhecia) durante o percurso pelas ruas tortuosas. Como se já não bastasse sua consciência lembrando-lhe a todo instante, de todas as pendências e urgências que ela escondia como pedras em sapatos, a mãe, durante o percurso de 15 minutos, questionara todas elas.

Pobre mãe preocupada, mas ela nem pensou nisso, poxa vida mãe, disse, evitando um palavrão, já não basta que eu esteja pensando nisso o tempo todo, a senhora não falou sobre outra coisa durante o caminho!, terminou exasperada. A mãe se desculpa, se preocupa, preocupa a filha. Get off my back, ela pensou, rude, para logo em seguida se arrepender, o que seria dela sem a mãe?

Desceu do carro, clima chuvoso, ele está morto, pensou mais uma vez. Alguém fumava na porta do trabalho. Que se dane, acendeu um também, um carlton vermelho, ela não entendia por que aquela porcaria cheia de toxinas lhe fazia sentir tão bem, talvez o conjunto de acontecimentos, o céu chuvoso, ou a raiva entranhada, uma raiva não sei do quê, que ela descontava vigorosamente nas baforadas do cigarro. E o primeiro cigarro do dia lhe dá uma sensação de leseira, está quase dopada, meio zonza, bom dia, ela diz na recepção e sobe escadas para começar as próximas 24 horas.

- S

Ela & o café pelando para matar formigas.

Ela já devia estar acostumada às oscilações. O seu quarto maculado pelas roupas sujas, misturadas à pilhas de roupas limpas, sacos de farmácia abandonados e papéis velhos, os sapatos desparelhados, todos pelo chão e uma rede no meio de tudo, sobre a cama também revirada, o único espaço que ela tinha para dormir por apenas quatro horas, antes de levantar cedinho, sem norte, e escovar os dentes para trabalhar. Na mesa de cabeceira, pílulas e copos d’água dançavam junto à maquiagem, grampos e toda a sorte de colares. Mais três dias assim, e não teria como entrar no quarto, dada a proporção da bagunça que já crescia sem sua ajuda, alimentada por um completo descaso.

N’algum ponto de sua consciência sabia que decisões precisavam ser tomadas para que saísse daquele caos que atormentava sua pele, seu redor e afetava o seu pensar. Sua mente já não conseguia organizar mais nada e ela vivia no piloto automático, de manhã trabalho, a tarde televisão ou qualquer outra coisa que distraísse, de noite quem sabe algum amigo aparecia para salvar, madrugada à dentro rabiscando ou lendo, para cair na rede por volta das 3, acordando às 7 para recomeçar.

Entrava num torpor vago, olhos cerrados, vista perdida. Ia assim, cambaleando, pensando em despertar, quem sabe, amanhã, tomar algo energético e tentar extrair dos pulmões e boca esse fel escuro da estática que se encontrava entranhado em seu peito. Descaso, indiferença e desprezo próprios. Desprezo pelo ser vivo que ainda se encontrava escondido em alguma parte obscura daquele corpo humano. Não se sabia seu tamanho nem onde estava, seria necessário enfrentar uma viagem de ficção científica pela corrente sanguínea, e em algum lugar ela ia se encontrar comigo.

Ela, eu, eu ou ela, não sei mais quando deixei de ser eu mesmo e passei a ser aquele ela perdido, apático, em meio a veias e sangue, sombra e escuridão, uma desordem emblemática, intrínseca. Como se existisse um espírito, e este, no mais profundo asco, abandonara o corpo às mazelas, preso apenas pelo umbigo, tentando por tudo libertar-se da auto-sabotagem.

Ela sabia, sabia que deveria deixar de adiar a vida, vários projetos estancados pelo dissabor, uma dor no coração comparável unicamente à picadas das pequenas formigas, quase invisíveis, do quintal, que um amigo insistia serem mosquitinhos voadores. Mas ela sabia que eram formigas, aquelas assassinas desgraçadas e sem-vergonhas tal qual o abismo em seu peito. E o quintal ainda era um refúgio, não deixou de ser delírio às sensações, apesar das cenas de amor líricas que protagonizara com ele ali, lembranças que se encerravam na acidez da verdade.
Sua tristeza era tanta, tão profunda que bateu longe até as lágrimas e nelas não mais pôde contar para aplacar a frustração e o lamento.

Ainda queria que não fosse verdade todo o horror que se acometeu nela quando descobriu sobre ele e caiu dos sonhos à obscuridade da dúvida. Ela queria que não fosse verdade, mas não havia fuga, então sua intenção agora era deixar essa zona, sabe-se lá como, se encontrar comigo, perdida nela. Exorcizar os pequenos demônios, aquelas formigas desgraçadas, vermelhas, formigas-soldado, quase invisíveis, das quais todos os dias ela tentava, em vão, se libertar. E não sabia como, não conseguia deixar de doer. Mas iria, de alguma forma, iria, e ela mataria as formigas.

De volta ao quintal sagrado, quintal catedral, decidiu que se vestiria e foi às ruas, subiu no primeiro ônibus, música aos ouvidos, promessas de luz, e foi superar tudo através dos olhos. A visão ajudaria, a visão da estrada, o sacolejo incessante, a visão do mundo, da dor e alegria alheias, isso a ajudaria a sobreviver. Os seus olhos e olhares curiosos que ela desconhecia refletiam a vida comigo. E sobrevivemos. Voltamos, preparei um café. Estamos aqui no meu eu, no meu ela, de onde jamais deveriamos ter saído ou se desencontrado. Nada melhor que vivenciar a si mesma. Com seus próprios livros, vícios, amigos e músicas. Não precisara nem parar de rabiscar. Uma delícia, café com torradas, uma toalha sobre os insetos. Uma delícia, café pelando, doce.

- S

Desenho sem borracha

Pensar em pecado é pecado? Descobri que a frasezinha clichê que diz que sexo é bom até quando é ruim, funciona mesmo. É porque o cidadão que é pouco dotado e inseguro em atitudes preliminares tem tudo para ser péssimo, mas não é. Tudo bem que você não enxergue estrelinhas espocando ao lado de borboletas fluorescentes que voam sem medo. Mas dá vontade de rir de tão gostosinho.
O triste é gostar de órgão sexual masculino pequeno. Não acredito que exista quem goste. Tá, Hilda não encana. O pior é que se você se encanta com o cara aí já era! Dez cervejas, apesar de você ter contado cinco, e o negócio fica do tamanho certo.

- V

O Ser como um caule na tarde madura

Virgínia perdeu a virgindade com um cara que não a ama: “Eu estou me sentindo a Miranda do seriado Sex in the City”, dizia ela no dia seguinte. (Detalhe: ela só assistiu um episódio da série, em que a tal Miranda passa os 45 min provando para si mesma que é capaz de sentir orgasmo toda vez que faz sexo). “Não queria, mas se ele me ligasse ia ser ótimo!”
Ainda sem ter tomado banho, pensa em voz alta: “Eu queria saber quem foi o filho da puta que inventou a relação entre sexo e amor!” (...) Ai, meu Deus, desculpa.

- V

na sala vazia escrevemos juntas por não poder falar

"Preguiça é o meu nome.
Eu toda sou só preguiça.
Preguiça é bicho, é homem.
É dificuldade de crescer.
Preguiça é preguiça.
Que vontade de deitar..." - S
***

"Sexo é o meu nome.
Eu toda sou só sexo.
Sexo animal não é coisa só de bicho, é de homem também.
É sensualidade de deitar.
Sexo é sexo.
Que vontade de deitar..." - H
***

"Sou pó. Não sou nada.
Quero ser tudo, permanecer tudo.
O que é tudo?
Ora, se não o meu desejo!
Sou pó." - S
***

"Ela foi cacos a cada metáfora.
Ele foi dedos a cada sombra.
Eles foram lapsos de saudade.
Ele se tornou uma mentira eo amor virou uma diáspora." - H

devaneios

No escritório cinza, ela está sozinha.
O tédio, o estrondo das buzinas, os estranhos virtuais.
Ela escuta uma música antiga em francês enquanto recorda um sonho. Quem era mesmo aquele no seu sonho?
Os pés em cima da mesa, o marasmo de uma tarde sem trabalho, as unhas vermelhas a fazem pensar pecado.
***
Estava numa modorra, esperando por ele, de costas. A respiração sem compasso se extraviava do controle e ela fechou os olhos em desejo.
Ele chegou por trás, roçando os braços nas suas costas nuas e puxando de leve com os dentes os fios na nuca dela, descendo a mão naquela bundinha que ele tanto cobiçava.
Ela aquiesceu entre suspiros e eles trançaram suas pernas, indo direto para a cama.
***
Às seis e meia ele quis levantar, mas ela se enroscou nele com vários braços e laços e por mais uma hora permaneceram sob os lençóis.
***
Eles estavam em um concerto de rock. Ela tomava uma dose de uísque, dançando, linda. E ele a observava. E observava as outras, todas. Os ferormônios subindo em suas narinas e ele foi ao bar pegar uma cerveja. Tinha mulher demais ali, ele precisava de um escape.

***
Ela deu de presente a ele um pôster da Luma de Oliveira, nua em pêlo. No outro mês trouxe um da Daniela Sarahyba. Não se sabe aonde ela achou aquilo, a mulher nua também. Depois foi a vez da Cicarelli. Ele sempre se surpreendia. Ela nem dizia nada. Ele adorava.
Um dia qualquer sua tia entrou no quarto para experimentar um vestido e, vendo aquilo, perguntou:
“Minha filha você está louca? Deixar o Genaro colocar esses pôsteres na parede assim?”
E ela:
“Ora tia é ótimo, ele olha para elas e desconta em mim!”
***
Ela sempre deixava as vontades passarem, assim como as nuvens vão, devagarzinho.
Sempre cautelosa.
Ela sempre queria mais.
Mas sem atitude não dá.

- S

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