coração glacê

Engraçado, depois de tantas choramingas lá estava eu de novo ao lado daquele rapaz franzino. Ele falava suas mil palavras como sempre, numa tentativa inócua de me reconquistar e, desta vez, eu fazia cara de sorrisos, porém mantinha a linha descrente, quem sabe assim dava pra conseguir algo legal dele, todo aquele meu descrédito fazia com que ele se instigasse.

Ele se intrigava com meus olhares tragicômicos à as suas colocações. Tinha partido o meu peito, o filho-da-puta, ou fui eu mesma que parti, de qualquer jeito, lá estava eu ao lado dele, fazer o que? Ele ainda tinha uma fatia do meu coração e eu queria dar um jeito mirabolante de recuperá-la antes de partir desta para quem-sabe-talvez uma bem melhor.

Não sabia de que maneira eu conseguiria, mas agora eu já estava preparada praquele terreno pedregoso. Ou assim achava. Meu órgão vital armado com mil veias finas em forma de facas chinesas, pronto pra sugar-lhe a parte que nos faltava;

Diriam que eu era uma víbora sem sentimento nem compaixão quando o encontrassem recostado na sarjeta, bêbado e maltrapilho, mas a escolha era dele. Quem mandou roubar meu coração assim de assalto, tão rápido? Eu nem senti, só percebi quando ele me trocou por outra e eu fiquei apenas com as lembranças manchadas pela realidade cruel, cheirava a queijo velho, mofado, um horror!

Rastejei na lama, mas tomei banho e fiz uma massagem no cabelo. Já estava zero bala quando de repente, assim tão rápido como o furto da fatia coraçonina, ele já estava de volta à minha porta, pedindo arrêgo, perdão, socorro, colo e carinho. Eu olhava pra ele, franzino, franzino, parecia à beira da morte, faltava-lhe um sopro apenas.

Talvez por que ele ainda guardasse aquela fatia do meu coração, eu me condoí e o recebi em casa, dei comida, passei-lhe a mão na cabeça como quem diz: tudo bem, vai passar. Fiquei em cima do meu próprio pedestal, apenas observando, descrente àquela criatura bela e confusa, infeliz?

Fizemos amor e eu sentia nele um cheiro de redenção enquanto a gente se misturava em suor. Ele era sempre ávido, sorvendo minha sede até que eu visse estrelas, e vi. Depois sem dó nem piedade virei, disse boa noite, dei um beijo e tchau. E ele levou outra fatia do meu coração de dentro do meu peito glacê, mole, mole, mas continua desacreditado, sem perdão.

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