De Juberlano para os meus sonhos – uma fresta de luz sobre Chico da Silva

Conheci Chico da Silva quando ainda era menina e não sabia o valor de uma pintura, muito menos quem fora Chico. Mas cultivei o hábito de passear por seus milhares de traços coloridos que adivinhavam-se criaturas mágicas. Eu tive esse privilégio dentro da casa de meu avô que, por acaso, tinha um Chico na parede da sala. Mas isso foi nas férias e eu ainda morava em Brasília.

Adolesci em Fortaleza. Uma vez morando aqui, vim para a casa de vovô. Eu já sabia então o que a pintura podia fazer com as minhas idéias e redescobri o Chico na parede. Por aí eu já desenhava, corria nanquim pelo papel e sonhava grande. Entendi o porquê de tantos pássaros nos meus devaneios.

Numa tarde qualquer enquanto eu observava mais uma vez detalhes coloridos de Chico, meu avô Wilson, 85 anos e cabecinha branca, veio ao meu lado e disse: “Esse é antigo. Estávamos na nossa loja de sapatos, eu e o meu sócio, também Wilson e o Chico chegou com aquele jeito afável, duas cartolinas em punho pedindo dinheiro pra comprar umas tintas. Disse que nos daria dois desenhos. Eu achei que ele queria tomar cachaça, sei que ele gostava. Dei o dinheiro e esqueci”.

Mas, um mês depois Chico reapareceu trazendo as obras e disse: “Esse é do Wilson preto e esse, do Wilson branco (vovô)”. E, puxando meu avô de lado acrescentou: “O seu é o mais bonito, o nome é ‘O gavião rei, o gavião real e o inseto da agricultura’”. Vovô guardou a cartolina enrolada num armário durante uns dez anos ou mais, o que fez com que a obra perdesse sua cor original. Mas não perdeu seu encanto. Não poderia, é um Chico puro, diretamente de Juberlano, seu mundo fantástico.

Vovô falava devagar, lutando contra seus esquecimentos e tentando lembrar os detalhes de sua amizade com o pintor, mas não recorda como o conheceu. Segundo ele, Chico ia e vinha, sempre de bom humor, os dentes dourados. Aparecia para beber uma pinga, para contar uma história e ser gentil. Foi assim que ele chegou nas paredes da minha vida, devassando limites da minha sensibilidade, me fazendo sonhar e criar.

Chico da Silva, o pintor da praia, veio para o sertão de Quixadá ainda menino deixando para trás a fantasiosa Amazônia onde nasceu. Seu pai era peruano, descendente dos Incas e a mãe cearense, soldada da borracha. É preciso dizer que o que se sabe sobre este ser encantado é de grande incerteza. Ele viveu uma vida à parte e criou seu mundo.

Chico cresceu em Guaramiranga e a seca de 32 o trouxe para Fortaleza. Na dureza da cidade ele buscava meios de vida. Fez de tudo, foi sapateiro, verdureiro e um pouco barbeiro. Mas Chico trazia dentro de si uma mágica que brotava em seres inimagináveis nos muros de humildes casas da praia Formosa. Pelos moradores era tido como um louco que “ia e vinha como o mar”.

Foi o artista suíço Jean Pierre Chabloz quem primeiro visualizou o potencial daquele desconhecido. Na verdade ele foi tomado pela pureza daqueles traços num caminho sem volta. Ele então leva a arte de Chico para exposições em Fortaleza e Rio. E, anos depois, para o circuito internacional.

Uma vez valorizado mundialmente pela sua rica arte primitiva, que lembra “civilizações passadas”, Chico passou a ser sucesso também na alta-sociedade fortalezense. Tentaram levá-lo para trabalhar na universidade, mas ele não se adaptou. Aparecia no trabalho descalço, bebia, pintava, sumia. Mesmo assim, os olhos da cidade recaíam em ter Chicos nas suas paredes.

A procura era grande e o pintor, maravilhado com a sua importância, formou em casa um pequeno ateliê de pintura coletiva, trabalhos realizados por ele junto a grupos de crianças curiosas, sensíveis à arte. No início ninguém podia dizer a diferença entre os quadros feitos por Chico e os grupais. O trabalho realizado na “Escola do Pirambu” nasceu da base cultural indígena do pintor. Sua arte era singular, porém era também de caráter coletivo, por resgatar códigos culturais inconscientes. A estrutura do fenômeno era tribal.

Chico se envolvia com a bebida e viajava para Juberlano. Um ser alheio à realidade social-capitalista em que vivia, ele se misturou a valores desconhecidos, completamente díspares dos seus. Tentou propagar o seu real fantástico e foi discriminado. A arte coletiva se espalhou na cidade pelas mãos de marchands em busca do “ouro”. Falsificações transitavam facilmente por Fortaleza e os Chicos passaram a ser apenas peças baratas de decoração.

Diz-se que Chico só estimava o prestígio e a cachaça. Diz-se também que era ingênuo e que foi enganado. Mas não, ele apenas tinha da vida uma compreensão que poucos têm – o homem muitas vezes discrimina o que desconhece. E o mundo de Chico, sabemos, era o desconhecido.

-S

(infelizmente eu ainda não aprendi como colocar imagens nesta coisa e não posso postar o desenho do texto =/)

2 comments:

Renata said...

já pé a materia pronta? Depois te ensino a por imagem

Olívia Pinto said...

POR FAVOR, GOSTARIA DE SABER COMO FAÇO PARA TER ACESSO ÀS OBRAS DA ESCOLA DO PIRAMBU. MEU TIO, VÁLTER, CEARENSE QUE RESIDE ATUALMENTE NO RJ, ESTÁ LOUCO POR UM QUADRO PINTADO NO ESTILO DO CHICO. JÁ OLHEI TUDO NO GOOGLE E... NADA.
SERÁ QUE VC PODERIA ME AJUDAR???
OBRIGADA DESDE JÁ.
OLÍVIA PINTO
ompo@hotmail.com
ompo@secrel.com.br