ai eu espero e espero, com(o) uma amante-viúva-pós-moderna espera o marinheiro que caiu no mar. ela vestida de preto, meias furadas mostrando a pele enrugada meio grudenta de maresia. eu espero e a viúva me consola com seu lenço bordado, velho e mal-cheiroso.
ela me cochicha que esperar amarga a alma, ela, que perdeu dois filhos, um cachorro chinês e uma velha chaleira de platina dada pela avó do ex marido, marinheiro, amante, morto.
na barra da sua saia tem uma renda gasta e ela cheira a cigarros mofados, tudo meio molhado pelo bafo do mar. minhas faces rosadas não sabem pr'onde voltar-se e a viúva estica um pano na areia da praia cheia de pequenos carangueijinhos, daqueles não-comestíveis "vem sentar aqui", me chama, e me conta uma história louca envolvendo piratas, papagaios e o marido que "está no mar e volta já".
logo em frente uma carcaça dum barco tem flores secas na janelinha. ela mora naquele esqueleto, esperando. repara-se que, cuidadosamente, cobriu o barco com retalhos coloridos, penso eu que para colorir a vida de incontáveis segundos de esperanças que ela leva ali.
eu falei pra ela, com a minha voz rouca-ressaca-braba que só precisava dum barquinho pra ancorar n'outro lugar, mas ela disse que não. que eu ficasse ali, "por favor" mais um tempinho que ela havia comprado bolachas (bolorentas) e me serviria uma café. fazia frio de mar e eu aceitei entrar na casa dela pra me esquentar.
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1 comment:
Hilário esse blog. Valeu, gostei pacas...
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